Na sequência de um e-mail que recebi de um grande amigo que
retornou à Madeira, fala da visão diária do horizonte no Caniço, para além do
mar … as ilhas Desertas, todos os dias diferentes, dependendo de vários factores, tempo, hora do dia, etc.
Devido aos cinco anos passados nos Açores ganhei uma costela de ilhéu, também eu tive o “meu” horizonte diário em Angra do Heroísmo durante +/- quatro anos … o ilhéu das Cabras.
Ao ler o assunto do e-mail, fiquei bastante sensibilizado e nostálgico com o tema e as boas memórias retornaram por um período bastante longo ao meu cérebro, assim foi mais um momento de felicidade numa clara fuga à realidade.
Transcrevo de seguida o e-mail recebido, o texto não merece ser “cortado” ou “adaptado”
“…
Como vais? Ponho-me a pensar no que passamos ao longo da vida, no que fazemos ou fizemos, e vou-me dando conta que, quase como um automatismo dentro de mim, estou quase sempre numa espécie de processo de auto-avaliação. Fiz bem? Ou fiz mal?... Ou não fiz e devia ter feito? E se fosse desta maneira, ou daquela... é como ter um cão à perna! Enfim, desabafos...
Devido aos cinco anos passados nos Açores ganhei uma costela de ilhéu, também eu tive o “meu” horizonte diário em Angra do Heroísmo durante +/- quatro anos … o ilhéu das Cabras.
Ao ler o assunto do e-mail, fiquei bastante sensibilizado e nostálgico com o tema e as boas memórias retornaram por um período bastante longo ao meu cérebro, assim foi mais um momento de felicidade numa clara fuga à realidade.
Transcrevo de seguida o e-mail recebido, o texto não merece ser “cortado” ou “adaptado”
“…
Como vais? Ponho-me a pensar no que passamos ao longo da vida, no que fazemos ou fizemos, e vou-me dando conta que, quase como um automatismo dentro de mim, estou quase sempre numa espécie de processo de auto-avaliação. Fiz bem? Ou fiz mal?... Ou não fiz e devia ter feito? E se fosse desta maneira, ou daquela... é como ter um cão à perna! Enfim, desabafos...
Já lá vão uns anos, vi um filme de autor americano, daquele tipo cinema de
ensaio, que se passava numa loja de esquina num ponto suburbano de Nova
Iorque. Era uma loja de venda de tabaco. O dono, todos os dias em que abria o
negócio, montava na rua, no mesmo local e na mesma posição, uma máquina
fotográfica de tripé, orientada para a sua loja, e tirava uma fotografia.
Revelada esta, encaixava-a num álbum. Tinha os álbuns na sua loja. Já não me
lembro dos detalhes, mas sei que numa dada circunstância, as pessoas pediam-lhe
para consultar os álbuns. A maior razão por este pedido prendia-se com o facto
de, enquadrados nas fotos que ele tirava, estarem transeuntes da zona, habitantes
que acabavam por ser a memória que dava corpo à imagem.
Quando alguém saia da comunidade, fosse qual fosse a razão, os seus vizinhos iam a esta loja para descortinarem a ou as fotos em que estes figuravam, e desenrolavam-se histórias sobre cada um ou cada uma, numa espécie de rememoração ou homenagem. Sempre achei fascinante esta história, e sempre pensei que seria fascinante poder fazê-lo. Pude constatar, contudo, pela realidade da vida, que não basta querer, é preciso conseguir reunir as condições para poder determinar seja o que for.
Vem tudo isto a propósito da fotografia das ilhas Desertas que te enviei. Durante a maior parte dos anos da minha infância aqui na Madeira, a visão das ilhas Desertas foi uma constante. Da casa do meu avô avistava-se uma parte da maior delas, e todos os dias o nascer do sol por detrás da ilha, com nuvens, com chuva, com mais ou menos nitidez, funcionou dentro de mim como uma espécie de máquina fotográfica cuja película registei na minha memória.
Retornado à Madeira, a viver na parte mais baixa da povoação em que o meu avô viveu, mais perto do mar (no Caniço), tenho à minha frente, todos os dias, a mesma visão, mas agora mais próxima, e vem-me à lembrança a história do dono da loja e das fotografias que ele
pacientemente foi executando.
Quando alguém saia da comunidade, fosse qual fosse a razão, os seus vizinhos iam a esta loja para descortinarem a ou as fotos em que estes figuravam, e desenrolavam-se histórias sobre cada um ou cada uma, numa espécie de rememoração ou homenagem. Sempre achei fascinante esta história, e sempre pensei que seria fascinante poder fazê-lo. Pude constatar, contudo, pela realidade da vida, que não basta querer, é preciso conseguir reunir as condições para poder determinar seja o que for.
Vem tudo isto a propósito da fotografia das ilhas Desertas que te enviei. Durante a maior parte dos anos da minha infância aqui na Madeira, a visão das ilhas Desertas foi uma constante. Da casa do meu avô avistava-se uma parte da maior delas, e todos os dias o nascer do sol por detrás da ilha, com nuvens, com chuva, com mais ou menos nitidez, funcionou dentro de mim como uma espécie de máquina fotográfica cuja película registei na minha memória.
Retornado à Madeira, a viver na parte mais baixa da povoação em que o meu avô viveu, mais perto do mar (no Caniço), tenho à minha frente, todos os dias, a mesma visão, mas agora mais próxima, e vem-me à lembrança a história do dono da loja e das fotografias que ele
pacientemente foi executando.
Mal comparado, é claro, o que eu faço, sem a disciplina diligente do personagem
do filme, é fotografar de vez em quanto estas ilhas. Sempre me fascinaram, tão erectas,
desafiadoras, rompendo o mar, tão inóspitas como que dizendo "isto aqui
não é para o ser humano", uma espécie de último vestígio da mítica Atlântida, do paraíso perdido.
Estava pois eu a contar-te que me acontece amiúde pegar na maquineta, muito simplificada
com o recurso do telemóvel, e tirar uma foto. Mais ou menos a partir do mesmo
local e ângulo das ilhas Desertas. A diferença aqui é que não há pessoas,
apenas a natureza na sua mais que essencial manifestação e mistério.
Tudo isto para te dar conta desta minha partilha, de uma fotografia das
Desertas, tirada em dia incerto, mas recente. Uma viagem pelas minhas memórias,
como se estivéssemos na loja a folhear um álbum.
..."
..."
Reserva Natural das Ilhas Desertas, localiza-se a sudeste da Ilha da Madeira, e integra uma área terrestre composta por três ilhas (Ilhéu Chão, Deserta Grande e Bugio) e ilhéus adjacentes, e por toda a área marinha envolvente até à bati-métrica dos 100 metros. As Ilhas Desertas estão dispostas no prolongamento da Ponta de São Lourenço (extremo este da Ilha da Madeira), distando desta 12 milhas náuticas e do Funchal 22 milhas náuticas.
As ilhas foram propriedade privada de duas famílias inglesas da Madeira entre 1894 e 1971, tendo sido compradas então pelo Estado português e convertidas em reserva natural.
As ilhas foram propriedade privada de duas famílias inglesas da Madeira entre 1894 e 1971, tendo sido compradas então pelo Estado português e convertidas em reserva natural.
Foto tirada em Caniço de Baixo às 8h25m |
Foto tirada a cerca de 2 km acima do Caniço de Baixo |
O mundo físico e humano das ilhas, a condição vivencial do ilhéu: a sua ligação ao mar como prisão e destino, a monotonia dos dias parados, a miragem de horizontes distantes para além do mar e do céu.
[Em "A Ilha e o Mundo" (1952), Pedro da Silveira (1922-2003)]