Ilha da Berlenga
Fica a cerca de 7 milhas do Porto de Peniche, tem um comprimento e largura máximos de 1500 e 800 metros respectivamente, um perímetro de 4000 metros e 88 metros de altitude máxima.
No inicio da década de 80 fui acampar por duas vezes nas Berlengas.
O primeiro acampamento foi com o grande amigo João Agostinho, basicamente o que nós queríamos era passar uma semana de praia, descanso e caminhadas. O ponto alto do dia era a chegada do navio durante a manhã trazendo muitos visitantes e outros campistas, havia uma grande rotação de campistas de estadias curtas o que era óptimo pois não estávamos sempre a ver as mesmas pessoas. O barco ficava ao largo desde a chegada até à partida. Ao fim da tarde lá seguia para Peniche.
O segundo acampamento foi por um período mais curto com os amigos Fernando Coelho e Vítor Cartaxo, mais tarde tivemos a visita de um dia do Waldemar na companhia de filhos e sobrinho. Visitamos as grutas de barco e fizemos para além de praia os trilhos que levavam ao farol, forte e restantes paisagens. Desta vez levamos canas de pesca para experimentar, fizemos uma única pescaria com bons resultados em número de peixes, mas não os comemos porque falhamos na componente de preparação.
Resumindo, bom local para quem procura praia, descanso e goste muito de ler porque não existe mais nada para fazer. Por ser uma reserva da Biosfera da UNESCO desde 2011 existem regras e limites que todos temos que respeitar, o limite máximo de visitantes diários actualmente é de 350.
ÁGUA DOCE, foi difícil viver um grande número de dias sem água doce, no meu caso estar sempre com sal no corpo sem possibilidade de tomar um banho juntamente com o forte ar marítimo sempre presente (a partir do 3.º dia só sobrevivia besuntado de creme Nivea (primeira tarefa do dia). Todos os dias às 10h era aberto o depósito de água doce e cada pessoa recebia a sua ração (máximo de 20 litros) que era a medida de um jerrican para beber, cozinhar e higiene. Nós não estávamos preparados pelo que só tínhamos algumas garrafas cujo total ficava muito distante dos 20 litros. Enfim!
ÁGUA SALGADA NAS TORNEIRAS DO CAFÉ/RESTAURANTE, nós quando soubemos que havia racionamento de água doce ... pensámos e bem ... vamos utilizar a casa de banho do café/restaurante e estamos safos!, puro engano, toda a água nas torneiras dos lavatórios das casas de banho eram de água salgada, foi um fartote de risos à mistura com alguns impropérios.
GAIVOTAS, sempre presentes de manhã à noite, barulho ensurdecedor ao anoitecer assim como logo de manhãzinha cedo com as centenas de ninhos nas paredes das falésias, ao fim de 2 ou 3 dias tudo melhora com o hábito.
RATOS I, o campismo na altura era selvagem e por esse motivo muito desordenado agravado pela questão do espaço limitado, durante a primeira noite acordamos várias vezes com alguém a tropeçar nas espias da tenda, só na manhã seguinte é que nos disseram que eram os ratos a "passear" pelo recinto.
RATOS II, como era hábito encostávamos tudo ao fundo da tenda com o restante espaço para área de "cama", na segunda noite durante a noite acordamos com barulho junto às nossas cabeças e de alguém a mexer nas nossas coisas, depois de iluminarmos a área verificamos que eram ratos a comer/ratar queijo e chouriços. Resultado: ficamos com um buraco na tenda (por sorte arranjámos uma tábua que permitiu tapar) e passamos a dormir com a comida no meio da tenda entre nós.
PRAIAS, existem 2 praias pequenas, uma junto ao porto e a outra na baía do forte. A minha favorita é a que fica junto ao porto, parece uma piscina e para além de ter um areal maior tem também uma gruta onde é possível estar resguardado do sol e/ou calor.
VISITAS ÀS GRUTAS, vir às Berlengas e não visitar as grutas é como ir a Roma e não ver o Papa, existem uma série de barcos de pescadores que permitem efectuar o circuito das visitas.
FORTE S. JOÃO BAPTISTA, este forte na altura funcionava como pousada da juventude, para além dos quartos, o racionamento de água era igual, havia a parte melhor que eram as áreas colectivas principalmente a cozinha e a sala onde todos se juntavam para comer e beber. Ficar nas amuradas sentado a ver e ouvir o mar, esperar pelo espectacular por-do-sol. Havia uma viagem de transporte paga em barcos de pescadores entre o porto e o forte para quem quisesse rapidez e pouco cansaço.
CAMINHADAS, na altura os trilhos davam a volta à ilha e até ao forte, nada estava delimitado por isso tínhamos que seguir o que já estava marcado na terra por outros caminhantes, mas era muito saudável fazer esses circuitos uma vez por dia para se ter alguma actividade.
PESCARIAS, tivemos a experiência de pesca uma única vez, munidos de 2 canas de pesca fomos para um dos pesqueiros, começamos a pescar e ao fim de +/- 30 minutos tínhamos pescado 8 peixes que orgulhosamente os colocamos de modo a que fossem visíveis pelos vários barcos de pescadores que andavam nas suas viagens turísticas com visitantes, todos riam e nós pensámos que era de admiração. Como éramos 3 e já tínhamos 8 peixes (e não havia frigorífico) decidimos parar e começar a preparar os peixes para um belo grelhado, acontece que não conseguíamos cortar o peixe devido à sua pele dura e espessa, ao fim de algum tempo e dezenas de tentativas abandonamos os peixes e regressamos à tenda a pensar num jantar alternativo.
No dia a seguir numa das caminhadas fomos até onde abandonamos os peixes, surpresa, estavam intactos excepto os olhos - talvez os ratos ou as gaivotas os tenham comido.
No regresso resolvemos perguntar que tipo de peixe é que tínhamos pescado, a resposta foi peixe Porco, só se aproveita os lombos para se fazer filetes, asseguraram que eram os melhores filetes do mundo!
FAROL, o Farol do Duque de Bragança é omnipresente na ilha, sempre que se olha para cima ou estando no topo está sempre visível. Construção típica e semelhante a muitos outros faróis, fizemos uma visita curta.
TELEFONAR, na altura não havia telemóveis, para telefonar tínhamos que ir até ao farol onde o telefone tinha uma manivela como muitas viramos em filmes, assim para telefonar toca de dar à manivela.
BURRO, existia um burro que pertencia ao farol, todos os dias de manhã o burro descia do farol sozinho até ao porto com um cesto de cada lado, ficava no porto à espera do barco vindo de Peniche. O faroleiro carregava o burro com mantimentos e outro tipo de material, quando acabava dava uma palmada no burro e o mesma fazia a viagem de regresso ao farol sozinho. Um espectáculo, ver a foto de chegada do barco.
VIAGEM DE BARCO, para muita gente era a pior parte do trajecto porque o mar estava sempre muito revolto entre a Ilha e Peniche, ao fim de algum tempo havia pessoas a vomitar e o respectivo cheiro fazia outros vomitar ou ficarem agoniados. Connosco não aconteceu porque nos tinham dito para nunca ir dentro do barco na área de passageiros mas sim por cima, para além de mais agradável era menos susceptível o contágio dos vómitos.
FOTO, a foto inicial que publico mostra o Forte S. João Baptista na segunda vez que acampei, abaixo mostro o mesmo forte em obras na primeira vez que acampamos.
Aspecto da chegada diária do barco, distinguem-se perfeitamente os visitantes e campistas, também é mostrado o celebre burro do farol. |
Na primeira vez que acampamos o forte estava em obras, exteriormente os andaime para carregamento de material. |
O farol |
Na altura a área de campismo era completamente desorganizada, havia espaço e montava-se a tenda, muitos poucos espaços eram planos.
A minha tenda é uma das azuis.
A área era muito dinâmica e diariamente eram montadas e desmontadas tendas, mudando desta forma os nossos vizinhos.
Basta ver a foto para se perceber que as condições actuais são diferentes, terreno preparado com socalcos planos, as tendas não ficam em cima umas das outras, o reverso é que agora tudo é controlado e para se acampar é preciso reservar e haver lugar disponível.
O barco ficava ao largo entre a viagem da manhã e a viagem de regresso a Peniche.
Existem 5 ou 6 grutas visitáveis na ilha, a visita é efectuada em pequenos barcos dos pescadores que se contratam, não me lembro do tempo de viagem de cada circuito
A praia na baía do Forte S. João Baptista |
Eu e o João Agostinho, numa sessão de Nivea enquanto se toma o pequeno almoço e se aguarda pela abertura da cisterna de agua doce para a nossa ração diária. |
Os companheiros da segunda aventura, o Vítor Cartaxo (toalha na cabeça) e o Fernando Coelho.
O ilustre visitante Waldemar com os filhos e sobrinho que vieram passar um dia diferente!.
(...) A vida à beira-mar, para um escritor, tem a desvantagem de o fazer
esquecer o mundo. É tão absorvente e tão embalador este ritmo contínuo
das ondas, que se perde a memória do resto. (...)
[Diário (1948), Miguel Torga (1907-1995)]
Espetacular manual de visita as Berlengas e que no meu caso será bem útil. Adorei a foto da chegada do barco e o burro. A gruta da praia neste momento está habitada por gaivotas e de acesso limitado devido a perigo de derrocadas, pelo menos é essa a sinalização. Pela abordagem admiro a visão comparativa e inspiradora da experiência e especialmente por ser feita em 2 tempos distintos. Um abraço!
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